30.6.05

Meia hora

De uma hora para outra ele resolveu. Andava deprimido pelas dívidas, por ter se dado conta de que o excesso de cerveja não preeenche determinados vazios, pelo fato de não prover a casa de maneira convencional - não mais. Ensimesmado como andava, imerso em pensamentos circulares e cumulativos, daqueles que aumentam a paranóia de maneira rápida e gradativa, se levantou, tomou um banho, ligou para um amigo e abriu o guarda roupa. O roupeiro ficava no quarto que era seu, no qual dormia com ela - sempre com a tv muda ligada - antes do tudo-que-aconteceu. Agora descansava no quarto da pequena, a filha, de quem três dias antes se queixou de nunca ter recebido um abraço. Puxando pela memória, tal imagem não surge mesmo de imediato. Mas não única e exclusivamente por dificuldade dela. A família era orgulhosa, tinha problemas com sentimentalismos. Do guarda-roupa tirou grande parte de suas vestes. Camisas, regatas, bermudas, calças, cintos, cuecas e meias. Do banheiro levou desodorante e perfume. Alocou tudo numa mala. Fechou o zíper. E despercebido até então, surgiu entre a sala e a cozinha para esperar o amigo, que não demorou a chegar. Abriu a porta. Andou sem dizer nada. Voltou. Olhou para a esposa, a filha, e o vazio do que dizer. Disparou: "Essa casa não precisa mais de marido ou pai". Deu as costas. Levou a bagagem até o elevador. Tentou voltar, mas o orgulho era tanto que só conseguiu soltar as palavras do hall. "Resolva a dívida do agiota na sexta-feira", não dizendo com que dinheiro. Sim, porque não havia dinheiro. Não havia mais o que dizer. Não havia o impacto da surpresa. Simplesmente aconteceu. E pronto.

Impassível, a mulher fechou a porta. Chorou três lágrimas. Comunicou ao filho desatento, lamentou com a vizinha, que assegurou que homem só servia pra cama, chorou mais três lágrimas e respirou. A família havia se fragmentado no espaço de meia hora.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Percebi que você possui características próprias de sua escrita... Há alguém em quem você se inspire? Desculpe minha intromissão em sua vida... Primeiro no orkut e agora em seu blog mas, se me permite dizer isso, é impossível saber algo, por mínimo que seja, sobre você e manter-se impassível, sem que nasça um interesse por saber mais e mais.
Meu caro, é isso o que a vida nos faz... Três lágrimas... Três lágrimas...

1:13 AM  
Anonymous Anônimo said...

Wοω, awesоme blog laуout!
How long have уou been blogging fοr?

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Тhe overall loоk of your wеb site is еxcellent, aѕ well as the cоntent!


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6:30 AM  

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