26.11.05

A Liquidação de existências.


- Quero dar cabo de minha vida, disse cheio de confiança.
- Desculpe...?
- Eu disse que quero dar cabo de minha vida.
- E eu continuo não entendendo.
- Não é o que está escrito lá fora?! Eu li o cartaz na porta. "Liquidação de existências", ele dizia.
- O senhor não compreendeu, aqui, em terras lusas, nos referimos a tecidos, liquidação de nossos produtos.
- Pra mim isso é propaganda enganosa.
- Em absoluto, senhor.
- Me diga uma coisa, gaja. Não estariam os clientes sempre cheios de razão?
- Sim, decerto que sim.
- Pois então estou esperando.
- Esperando pelo que?
- Pelas instruções e pelo método.
- Como assim?
- Ora, se você vai me ajudar a me livrar de minha vida, deve me dizer de que maneira o faremos. Se com arma de fogo, se com faca, veneno, ou similares.
- O senhor não está entendendo. Eu NÃO vou matá-lo.
- Mas é óbvio que não. Você me ajudará a morrer, o que é bem diferente.
- Eu não vejo diferença.
- Mocinha, você espera mesmo que entremos numa discussão filosófica?! Assim você me desabona.
- Não é minha intenção, senhor, desculpe.
- Pois então, vamos logo com isso.
- Eu não posso.
- Vamos se não chamo as autoridades competentes! Ou quer que eu mesmo faça o serviço sozinho, aqui, no meio da loja, pra que os clientes vejam a ineficiência de seus serviços?
- Não, não, não! Por favor, tenha calma. Vamos resolver este embróglio de maneira mais discreta.
- Pois então liquide minha existência.
- ...
- Sabe, quando eu não tinha hora pra morrer, sonhava. Agora que passou este tempo, que sinto ter chegado minha hora, não fantasio mais. Sejamos objetivos, dê cabo de minha vida.
- O senhor vai me desculpar - dizia em prantos a mocinha -, mas nunca matei ninguém...
- Então é por isso? Você é nova no serviço? Agora eu entendo. Pois então faço questão de ser o seu primeiro. Vamos, diga-me, prefere atirar, me preparar cicuta, ou partiremos para armas brancas? Que tal uma navalha?
- Eu não sei mais como lidar com isso... Sua vida não pode ficar em minhas mãos, sou uma mera vendedora de tecidos!
- A minha vida está única e exclusivamente em minhas mãos, garota. Você só têm de me fornecer os meios.
- Eu não posso.
- Quer ser demitida?
- Eu não consigo matar.
- Mas e quem vai liquidar minha existência?
- Só não serei eu. Como pode querer morrer, se é tão jovem e bem disposto?
- Isso não vem ao caso.
- Se fosse você eu preferiria a vida.Feita de pequenas e cumulativas felicidades ela é agradável de ser vivida.
- Está certo.
- Então se convenceu de que não vale a pena morrer?
- Eu arranjei uma solução.
- Ufa, que bom. Já não sabia mais o que fazer. Como resolvemos isso?
- Me chame seu gerente. Não saio daqui sem passar a existir em outro lugar.

Do Mal-Estar.

Não que se possa precisar os motivos. O tal mal-estar há tanto alardeado por Freud, não se explica. Se sente. Sem motivo aparente, sem fundamento pra lacuna que consome, sem sangue na ferida que não fecha. Basta acordar e se indispor com o continuar-respirando. Não, tal conceituação talvez vá um pouco além do simples niilismo. É constatação básica. Regra número um pra que se continue-vivendo.

23.11.05

Peãoãoãoão.

Tem uns lances meio esquisitos. Daqueles que surgem do nada. Uma noite qualquer você se sente abraçado pelo vento - que não existe -, se embebe numa high de de autosuficiência e oh-como-eu-me-basto. Daí o dia seguinte é cruel. Ninguém-me-ama, sou-uma-folha-solta-ao-vento, preciso-de-um-rumo, oh-céus-como-eu-queria-um-colo, tudo isso surge do nada. Sim sim, você sente de volta aos 15 anos - dos quais talvez nunca tenha saído. O mais impressionante é se dar conta de que seu texto piorou, de repente ficou burro, você não põe alma no que escreve e aimeudeus-eu-não-sou-tão-inteligente!

Tem o lance do criar raízes e tem o onde. Tem o lance de vivo sozinho e tem o preciso de colo. Tem o lance de imagem pfffff.

Roda peão. Peão mesmo. Daqueles de tabuleiro de xadrez. Dos que morrem antes.

E um velhote no ônibus me escuta reclamar com uns amigos e fala "pois é.. e vc ainda tem esse cavanhaque!" Definitivamente eu não mereço.

8.11.05

A vida anda. Neurastenicamente.


A vida não pára. É fato. Angustiante. A agonia só surge por conta da concretização adolescente do assumir-as-rédeas-da-vida. Ocupa-se a cabeça, mas não se matam sentimentos. Não sei o que passa. Mas sei que passa. De alguma maneira, algum dia. Mesmo em textos adolescentes como este, passa. O difícil de entender é como se dá a subida ou descida de auto-estima. Sem que nada tenha acontecido, sem estopim aparente, a minha está no chão.